A delação premiada, ou colaboração premiada, é um dos instrumentos mais polêmicos e poderosos do direito penal contemporâneo. Muito usada para desvendar esquemas de corrupção, organizações criminosas e lavagem de dinheiro, ela não é uma invenção recente.
Na verdade, sua origem remonta a tempos antigos, com raízes que atravessam impérios, tribunais religiosos e até episódios famosos da história mundial.
Neste conteúdo, você vai entender a origem da palavra "delação", sua aplicação ao longo da história e como ela evoluiu até chegar ao modelo jurídico moderno que conhecemos hoje.
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Etimologia: De onde vem a palavra “delação”?
A palavra "delação" vem do latim delatio, que significa "denúncia" ou "acusação". O verbo deferre, de onde deriva, carrega o sentido de "levar algo até alguém", especialmente "levar uma informação à autoridade".
Na prática, o termo passou a ser associado àquele que denuncia outra pessoa ao poder público, geralmente com o objetivo de obter algum benefício — seja proteção, perdão ou vantagem. Desde seus primeiros usos, a figura do delator foi vista com ambiguidade: ora como alguém que ajuda a justiça, ora como um traidor.
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Idade Antiga: A prática da delação no Império Romano
Na Roma Antiga, a delação já era amplamente praticada. Delatores denunciavam cidadãos ao Estado e, em troca, podiam receber recompensas financeiras, isenções de impostos e até ascensão social. Em alguns períodos, como durante os impérios de Tibério e Nero, a delação se tornou uma ferramenta de controle político, sendo usada para eliminar adversários e fortalecer o poder imperial.
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Nessa época, o delator não apenas revelava crimes, mas também participava da dinâmica de poder, usando a denúncia como forma de autoproteção e enriquecimento.
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Idade Média: Delação e Inquisição
Durante a Idade Média, a delação ganhou novo formato, principalmente com o surgimento dos tribunais da Inquisição. A Igreja Católica incentivava a população a denunciar hereges e “infiéis”, muitas vezes de forma anônima. Em troca, os delatores recebiam indulgências espirituais, proteção ou perdão.
Essas denúncias alimentaram perseguições religiosas e foram um dos pilares do controle social na Europa medieval. Embora a ideia de “prêmio” fosse mais espiritual do que jurídico, a lógica de recompensa por colaboração já estava presente.
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Brasil Colonial: A delação como instrumento da Coroa
No Brasil, a delação já era reconhecida como forma de benefício desde o período colonial. As Ordenações Filipinas, vigentes desde o século XVII, previam perdão de pena para quem delatasse cúmplices em crimes contra a Coroa, desde que não fosse o principal responsável.
Um dos episódios mais emblemáticos é o da Inconfidência Mineira, em 1789, quando Joaquim Silvério dos Reis delatou os inconfidentes em troca de perdão de dívidas, pensão vitalícia e outros privilégios. Esse caso é frequentemente apontado como a primeira grande delação premiada da história do Brasil.
Século XIX: A delação deixa de ser premiada
Com o advento do Código Penal de 1830, o primeiro do Brasil independente, a prática da delação como forma de perdão legal foi extinta. O novo código passou a tratar os crimes de forma mais técnica e menos vinculada a recompensas por colaboração.
Esse modelo, mais rígido e centrado no julgamento tradicional, prevaleceu por boa parte do século XIX e XX, até a reintrodução gradual de mecanismos de colaboração nas legislações mais modernas.
Século XX: A delação moderna nos Estados Unidos
Foi nos Estados Unidos, especialmente a partir da década de 1920, que a delação premiada ganhou formato jurídico moderno. Durante a Lei Seca, o governo utilizou acordos com criminosos para desarticular redes de tráfico de álcool. O caso mais famoso é o de Al Capone, cuja queda se deu com a ajuda de colaboradores internos.
A partir daí, o modelo foi se aperfeiçoando no sistema penal americano, principalmente por meio do chamado plea bargain, que permite acordos entre réus e promotores em troca de confissões e colaboração.
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Século XXI: A delação premiada no Brasil contemporâneo
No Brasil, a colaboração premiada começou a ser incorporada em leis a partir da década de 1990, em casos específicos, como crimes hediondos e lavagem de dinheiro. Mas o verdadeiro marco foi a Lei nº 12.850, de 2013, que regulamentou de forma completa os acordos de colaboração no contexto de organizações criminosas.
Essa lei prevê que o réu colaborador pode receber benefícios como redução ou até perdão da pena, desde que suas informações levem à elucidação de crimes, prisão de outros envolvidos ou recuperação de valores desviados.
A Operação Lava Jato foi o grande palco da aplicação desse mecanismo, com dezenas de delações que tiveram repercussão nacional e internacional.
Conclusão
A delação premiada tem raízes que vão muito além da legislação atual. Desde a Roma Antiga, passando pelos tribunais medievais, até chegar aos modelos jurídicos modernos, ela sempre esteve presente na história como uma forma de obter informações em troca de algum tipo de vantagem.
Hoje, é uma ferramenta jurídica regulamentada e com critérios bem definidos. Porém, seu uso exige equilíbrio, responsabilidade e respeito aos direitos fundamentais, para que continue sendo um instrumento legítimo de combate ao crime — e não um meio de abuso ou manipulação judicial.
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