O Movimento Diretas Já foi um marco na história do Brasil, simbolizando a luta pela redemocratização após mais de duas décadas de ditadura militar. Na década de 1980, o país vivia um período de transição política, econômica e social.
O clamor pela restauração de eleições diretas para a Presidência da República foi a principal bandeira de uma campanha que mobilizou milhões de brasileiros, em um esforço coletivo para reconquistar a democracia.
Esse movimento representou a culminação de anos de resistência ao regime autoritário e a busca por maior participação popular no processo político do país.
O Contexto Histórico
Para compreender o Movimento Diretas Já, é necessário contextualizar o cenário político do Brasil à época. Após o golpe militar de 1964, que depôs o então presidente João Goulart, o Brasil mergulhou em um regime ditatorial que se estendeu até 1985.
Durante este período, o país foi governado por uma série de generais que concentraram o poder nas mãos de uma elite militar, restringindo as liberdades civis, censurando a imprensa, reprimindo opositores e suspendendo eleições diretas para diversos cargos, inclusive o de presidente.
A década de 1970 marcou o auge do regime militar, com o chamado "Milagre Econômico", um crescimento econômico acentuado que trouxe desenvolvimento, mas também agravou a concentração de renda e a pobreza.
No entanto, o "milagre" foi de curta duração, e a crise econômica global, junto com a inflação crescente e a dívida externa, atingiu o Brasil com força no final da década. A instabilidade econômica contribuiu para um aumento da insatisfação popular e fez crescer as vozes que pediam mudanças políticas.
O regime militar, diante da crise e do aumento da pressão interna e externa por reformas, começou a implementar um lento processo de abertura política, conhecido como distensão.
A presidência do general Ernesto Geisel (1974-1979) foi marcada por medidas para afrouxar a repressão política, o que culminou na extinção do AI-5 (Ato Institucional nº 5) em 1978, um dos principais instrumentos de repressão do regime. No entanto, as eleições diretas para presidente continuavam suspensas.
O Crescimento do Movimento
O Movimento Diretas Já ganhou força no início dos anos 1980, quando ficou evidente que a transição democrática conduzida pelos militares era insuficiente para responder aos anseios populares. O ponto central da mobilização era a proposta de emenda constitucional apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira, que defendia o restabelecimento de eleições diretas para presidente.
Apresentada em 1983, a chamada Emenda Dante de Oliveira propunha alterar a Constituição vigente para que o povo brasileiro pudesse, pela primeira vez desde 1960, eleger diretamente seu chefe de Estado.
O ano de 1984 marcou o auge das mobilizações populares. As grandes manifestações do Diretas Já começaram em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, reunindo pessoas de diferentes classes sociais, partidos políticos e setores da sociedade civil.
Políticos de oposição ao regime, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e muitos outros, se uniram a líderes sindicais, artistas e intelectuais em uma frente ampla pela redemocratização.
Os comícios do Diretas Já se transformaram em verdadeiros espetáculos de massa, atraindo centenas de milhares de pessoas. No dia 25 de janeiro de 1984, a cidade de São Paulo viu um dos maiores comícios da campanha, quando mais de 300 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé.
Meses depois, em abril, um comício no Vale do Anhangabaú, também em São Paulo, reuniu mais de um milhão de pessoas, simbolizando a força do movimento e sua capacidade de mobilização.
O Papel da Mídia e da Sociedade Civil
Um dos grandes trunfos do Movimento Diretas Já foi a capacidade de engajar diferentes setores da sociedade. Organizações da sociedade civil, sindicatos, associações estudantis e movimentos sociais desempenharam um papel fundamental na articulação das manifestações.
A Igreja Católica, sob a liderança de figuras como o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, também foi um importante aliado na luta pelas diretas, concedendo apoio moral e logístico às mobilizações.
Outro fator determinante foi a atuação da imprensa. Embora parte da mídia brasileira ainda estivesse sob controle do governo ou fosse simpatizante do regime militar, alguns veículos de comunicação, como o jornal Folha de S. Paulo e revistas como Veja e IstoÉ, deram visibilidade às manifestações e se posicionaram a favor das eleições diretas.
O apoio de artistas e músicos, como Fafá de Belém, Chico Buarque e Gilberto Gil, também foi crucial para popularizar a causa e atrair a atenção da juventude.
A Votação da Emenda Dante de Oliveira
O ponto culminante do Movimento Diretas Já ocorreu em abril de 1984, quando a Emenda Dante de Oliveira foi colocada em votação no Congresso Nacional. Para ser aprovada, a emenda precisava de 320 votos favoráveis.
Embora tenha recebido apoio da maioria dos parlamentares presentes (298 votos a favor e 65 contra), a emenda não alcançou o quórum necessário, pois muitos deputados, pressionados pelo governo militar ou com medo de represálias, se abstiveram de votar.
O resultado foi um grande golpe para o movimento e para a esperança de eleições diretas em 1984. No entanto, o fracasso da emenda não significou o fim da luta pela redemocratização. Pelo contrário, a derrota da proposta intensificou a pressão pela transição democrática.
A Eleição Indireta de 1985 e a Redemocratização
Com a rejeição da emenda, a eleição presidencial de 1985 seria indireta, conforme o previsto na Constituição de 1967, em vigor à época. O Colégio Eleitoral, formado por membros do Congresso Nacional e delegados estaduais, seria responsável por escolher o próximo presidente. No entanto, a mobilização do Diretas Já enfraqueceu o regime militar e abriu espaço para a formação de uma ampla frente de oposição.
No Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, candidato da oposição e líder da Aliança Democrática (uma coalizão entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB e dissidentes da situação), foi eleito presidente, derrotando o candidato do governo, Paulo Maluf.
A vitória de Tancredo representou um grande passo rumo à redemocratização, embora ele tenha falecido antes de assumir o cargo, sendo substituído por seu vice, José Sarney.
A eleição de Tancredo Neves e a subsequente posse de José Sarney marcaram o fim do regime militar e o início de um novo ciclo na história política do Brasil, com a convocação de uma Assembleia Constituinte em 1987 e a promulgação da Constituição de 1988, que restabeleceu as eleições diretas para presidente.
O Legado do Movimento Diretas Já
O Movimento Diretas Já foi mais do que uma luta por eleições; foi a expressão de um desejo profundo da sociedade brasileira por liberdade, justiça e participação democrática. Embora a emenda que propunha as eleições diretas tenha sido derrotada em 1984, o movimento abriu caminho para a redemocratização do Brasil e para a consolidação de uma nova era política.
As manifestações que mobilizaram milhões de brasileiros deixaram um legado de participação política e de fortalecimento das instituições democráticas. As eleições diretas para presidente foram restabelecidas em 1989, e o Brasil passou a viver sob um regime democrático que, apesar dos desafios, se mantém até hoje.
O Diretas Já simboliza, assim, um momento crucial na luta pela liberdade e pela soberania popular no Brasil, e seu impacto ainda ecoa na memória política do país.
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