O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é uma das organizações sociais mais influentes e emblemáticas do Brasil, surgido como uma resposta ao histórico de concentração fundiária e à exclusão social no campo.
Desde sua fundação em 1984, o MST luta pela reforma agrária, reivindicando a redistribuição de terras improdutivas para promover justiça social, combate à pobreza e desenvolvimento sustentável.
A Questão Agrária no Brasil
A concentração de terras no Brasil remonta ao período colonial, quando o sistema de capitanias hereditárias e sesmarias foi adotado pela Coroa Portuguesa para incentivar a colonização. Esse sistema deu origem à criação de grandes latifúndios, uma estrutura que se manteve ao longo da história do país, promovendo desigualdade social e econômica.
Com a independência do Brasil em 1822, o quadro não mudou significativamente. A elite rural continuou a deter vastas porções de terra, enquanto milhões de pequenos agricultores e trabalhadores rurais se encontravam marginalizados, sem acesso à terra e recursos para subsistência.
Mesmo após a abolição da escravatura em 1888, os ex-escravos e outros trabalhadores rurais não foram incorporados a políticas de distribuição de terras, perpetuando a exclusão agrária.
No século XX, essa concentração de terras tornou-se uma das principais causas dos conflitos rurais, resultando em uma série de movimentos sociais e ações reivindicando a reforma agrária. A falta de vontade política para realizar mudanças estruturais significativas manteve a desigualdade no campo. Neste contexto, o MST surge como uma resposta organizada e sistemática à essa problemática.
O Surgimento do MST
O MST foi fundado em 1984, durante o I Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel, Paraná. O movimento surgiu inspirado por outros movimentos camponeses latino-americanos e em meio a um cenário político de transição da ditadura militar (1964-1985) para a democracia. O MST articula-se inicialmente em torno da ideia de que a terra deve cumprir sua função social, ou seja, ser produtiva e gerar benefícios à sociedade.
Para o MST, a função social da terra está assegurada pela Constituição Federal de 1988, que prevê a expropriação de propriedades improdutivas para fins de reforma agrária. O movimento acredita que a reforma agrária não é apenas uma solução para os problemas econômicos do campo, mas também um direito social que garante dignidade e cidadania aos trabalhadores rurais.
As Ocupações de Terra
Uma das estratégias centrais do MST é a ocupação de terras consideradas improdutivas. As ocupações são vistas pelo movimento como um meio de pressionar o governo a implementar políticas de reforma agrária e redistribuição de terras. No Brasil, muitas grandes propriedades são mantidas de forma especulativa, sem gerar produção agrícola significativa.
O MST defende que essas terras devem ser redistribuídas para os trabalhadores sem terra, permitindo que eles cultivem e se sustentem.
As ocupações são organizadas de forma coletiva, e as famílias envolvidas montam acampamentos no terreno ocupado. Esses acampamentos frequentemente enfrentam resistência violenta de proprietários de terra, milícias privadas e até mesmo forças policiais. Apesar disso, as ocupações desempenham um papel importante para chamar a atenção para a causa da reforma agrária e para pressionar o governo a realizar assentamentos.
Reforma Agrária: Políticas e Desafios
A luta pela reforma agrária no Brasil encontrou diversos obstáculos ao longo dos anos. Apesar da previsão constitucional de expropriação de terras improdutivas, a implementação dessa política tem sido lenta e limitada. Governos sucessivos, tanto de esquerda quanto de direita, têm adotado abordagens diferentes em relação à questão agrária, resultando em avanços e retrocessos para o movimento.
Nos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o MST intensificou suas ações, especialmente após o Massacre de Eldorado dos Carajás em 1996, no qual 19 trabalhadores rurais foram mortos pela polícia militar no Pará. O episódio gerou indignação internacional e aumentou a visibilidade da luta do MST.
Nos anos 2000, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva promoveu mais assentamentos de reforma agrária, estabelecendo diálogo com o MST e outros movimentos sociais. Entretanto, o número de assentamentos ficou aquém das expectativas do movimento.
A partir de 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à presidência, o avanço da reforma agrária foi praticamente estagnado, levando o MST a retomar suas mobilizações de forma mais agressiva.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o MST enfrentou grande resistência. O presidente e seus aliados adotaram uma postura contrária à reforma agrária, associando o MST ao comunismo e criminalizando suas ações. Durante esse período, o movimento viu a redução significativa de novas áreas destinadas à reforma agrária e um aumento na repressão às suas atividades.
Educação e Produção Sustentável
Além da luta pela terra, o MST tem buscado construir uma nova lógica de produção agrícola. Uma das principais bandeiras do movimento é o uso da agroecologia, que se baseia em técnicas de cultivo sustentáveis, evitando o uso de agrotóxicos e priorizando a preservação do meio ambiente.
As áreas ocupadas pelo MST frequentemente se transformam em comunidades autossustentáveis, onde os trabalhadores plantam para consumo próprio e para a comercialização de produtos em feiras orgânicas.
O movimento também investe na educação de seus membros. O MST possui um extenso programa de alfabetização de adultos e promove a educação formal em seus assentamentos por meio de escolas autogeridas. A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), localizada em Guararema, São Paulo, é um dos marcos do movimento, oferecendo cursos sobre temas sociais, políticos e econômicos, formando militantes e lideranças comprometidas com a causa agrária.
O Futuro da Reforma Agrária
O futuro da reforma agrária no Brasil permanece incerto, especialmente em um cenário político cada vez mais polarizado. O MST continua a desempenhar um papel crucial na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela democratização do acesso à terra, mas enfrenta grandes desafios, como a criminalização de suas atividades e o avanço do agronegócio, que tem consolidado grandes áreas de monocultura e pecuária.
A expansão do agronegócio, muitas vezes com apoio governamental, contribui para a perpetuação da desigualdade no campo. Grandes produtores de commodities agrícolas, como soja, milho e carne, se beneficiam de incentivos fiscais e políticas públicas que privilegiam a exportação e o crescimento do setor, em detrimento dos pequenos produtores e da agricultura familiar.
Conclusão
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tem sido uma das principais forças impulsionadoras da reforma agrária no Brasil, uma luta que transcende a simples distribuição de terras e toca em questões centrais de justiça social, soberania alimentar e sustentabilidade ambiental. Apesar dos desafios e das adversidades enfrentadas ao longo dos anos, o MST continua sendo um dos movimentos sociais mais resilientes e articulados do país.
A questão agrária no Brasil está longe de ser resolvida, e a luta do MST pela reforma agrária permanece relevante. O movimento continua a pressionar o governo, organizando ocupações e promovendo debates sobre o modelo de desenvolvimento rural que pode promover a inclusão social e a justiça no campo. Para muitos, a reforma agrária é uma questão de dignidade e sobrevivência, e o MST permanece firme nessa luta.
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