Os mitos da cultura iorubá estão entre as tradições mais ricas e influentes da África Ocidental, especialmente na Nigéria, onde o povo iorubá é predominante. Eles compõem um vasto sistema de crenças religiosas, espirituais e filosóficas que não apenas oferecem uma explicação sobre a criação do mundo, mas também estruturam as relações sociais, éticas e culturais da sociedade.
Os mitos iorubás desempenham um papel central na compreensão da identidade iorubá e de suas práticas religiosas, influenciando até as mesmas religiões da diáspora africana, como o Candomblé no Brasil, a Santeria em Cuba e o Vodum no Haiti.
A Cosmologia Yorubá e o Panteão de Orixás
Os Orixás são figuras semidivinas que assumem papéis variados no mundo dos vivos, controlando elementos da natureza, características sociais e aspectos da vida individual.
Os Orixás mais reverenciados incluem:
- Oxalá (Obatalá) : O orixá da criação e pureza, responsável pela criação da humanidade.
- Xangô : O orixá do trovão e da justiça, visto como um rei poderoso e guerreiro.
- Oxum : Um orixá das águas doces, do amor e da fertilidade.
- Iansã (Oyá) : A divindade dos ventos e tempestades, associada ao poder feminino.
- Exu : O mensageiro dos deuses, associado à encruzilhada e à comunicação entre o mundo dos vivos e o espiritual.
Cada orixá possui suas próprias histórias míticas e simbolismos, que ilustram suas personalidades e o papel que desempenham tanto na natureza quanto na vida cotidiana das pessoas. Essas figuras não são seres abstratos, mas entidades com características humanas – com virtudes, falhas, emoções e paixões.
Eles atuam como mediadores entre Olodumare e os seres humanos, e muitos dos mitos iorubás são centrados em suas interações, disputas e resoluções.
A Criação do Mundo: O Mito de Ifé
Um dos mitos iorubás mais conhecidos é a história da criação do mundo, que tem como cenário a cidade de Ilé-Ifé , considerada a cidade sagrada do povo iorubá. Segundo a tradição, Olodumare incumbiu o orixá Oxalá da tarefa de criar o mundo a partir das águas primordiais. Ele deu uma cabaça contendo areia, um galo com cinco dedos e um camaleão, junto com o poder de modelar a terra.
Ao descer do céu, Oxalá tocou a areia sobre as águas, e o galo caiu na areia, criando o primeiro pedaço de terra firme, que seria o local de Ifé. O camaleão foi enviado para testar a firmeza da terra recém-criada, e ao constatar sua estabilidade, Oxalá começou a moldar as primeiras formas de vida.
Entretanto, outro mito popular atribuiu a criação dos seres humanos ao orixá Obatalá (outra manifestação de Oxalá). Reza a lenda que, ao modelar os primeiros seres humanos, Obatalá se embriagou com vinho de palma, o que resultou na criação de indivíduos com deficiências físicas, uma explicação mítica para a diversidade de formas humanas.
Arrependido, Obatalá jurou nunca mais consumir álcool, e até hoje seus devotos mantêm essa abstinência em sua honra.
O Papel de Exu: O Guardião da Encruzilhada
Um dos personagens mais fascinantes e enigmáticos da mitologia iorubá é Exu , o orixá das encruzilhadas, das travessias e da comunicação. Diferentemente de muitas divindades em outras culturas, Exu não é um ser maligno, mas sim um malandro – um trapaceiro que desempenha um papel essencial no equilíbrio cósmico.
Ele é o mensageiro dos deuses, responsável por levar ofertas aos Orixás e por garantir que as comunicações entre o mundo espiritual e o mundo humano fluam sem interrupções.
Exu é conhecido por sua natureza imprevisível. Em várias histórias, ele pode causar confusão e caos, mas também é visto como uma força de justiça e equilíbrio. Um exemplo clássico disso é o mito em que Exu usa um chapéu de duas cores (preto e branco) para passar entre dois amigos que discutem sobre o cor do chapéu que ele usava.
Essa história é uma metáfora para a importância de enxergar os diferentes pontos de vista e a dualidade presente em tudo.
O Mito de Xangô: Justiça e Trovão
Outro mito central da cosmologia iorubá é a história de Xangô , o orixá do trovão e da justiça. Xangô é frequentemente representado como uma figura carismática, impetuosa e poderosa. Nas lendas, ele foi um rei guerreiro que governou com firmeza e intensidade, e seu poder sobre o trovão é um símbolo de sua força imbatível.
Uma das narrativas mais marcantes de Xangô envolve sua tentativa de controlar o poder do trovão. Em sua busca por maior poder, Xangô teria destruído parte de seu reino com raios. A vergonha desse incidente o levou a abandonar seu trono e desaparecer, e seus seguidores acreditam que ele ascendeu ao status divino, tornando-se o orixá do trovão. Essa história ilustra a relação entre poder e responsabilidade, um tema recorrente na mitologia iorubá.
O Legado dos Mitos Yorubás
Os mitos iorubás não são apenas histórias antigas; eles continuam a ser uma parte vibrante da vida religiosa e cultural do povo iorubá e de suas diásporas. A religião Ifá , que envolve uma adivinhação e a consulta aos Orixás por meio de sacerdotes conhecidos como babalawôs , é uma prática espiritual ativa que preserva essas tradições.
Cada aspecto da vida cotidiana, desde a saúde até as relações interpessoais, pode ser guiado pelos conselhos dos Orixás, mostrando como a mitologia continua a influenciar a vida moderna.
Além de sua relevância espiritual, os mitos iorubás têm uma rica influência na arte, música e literatura contemporânea. Suas histórias e símbolos são frequentemente retratados em esculturas, pinturas e performances teatrais, tanto na África quanto nas comunidades da diáspora.
Conclusão
Os mitos iorubás são mais do que simples narrativas de tempos passados; eles representam uma compreensão profunda do mundo natural, do comportamento humano e das relações entre o sagrado e o profano. Esses mitos refletem valores, ensinamentos e princípios que ainda orientam milhões de pessoas ao redor do mundo, constituindo uma das tradições espirituais mais complexas e rigorosas da África.
____________
Editor do blog
Postar um comentário