O Autoritarismo na Hungria e na Turquia

O Autoritarismo na Hungria e na Turquia. O autoritarismo tem sido uma tendência crescente em várias partes do mundo, inclusive na Europa e na Ásia. Dois dos exemplos mais marcantes desse fenômeno são a Hungria e a Turquia, países que, apesar de pertencerem a contextos históricos e culturais distintos, compartilham características autoritárias sob seus respectivos líderes: Viktor Orbán e Recep Tayyip Erdoğan. 

Ambos adotaram políticas que enfraqueceram as instituições democráticas, restringiram a liberdade de imprensa e consolidaram o poder em suas mãos. Este artigo analisará o desenvolvimento do autoritarismo em ambos os países, destacando semelhanças e diferenças em seus processos políticos.


1. Contexto Histórico e Político

Hungria: Da Democracia ao "Estado Iliberal"

Após o colapso do comunismo em 1989, a Hungria emergiu como uma das democracias mais promissoras da Europa Central. O país adotou uma nova Constituição, realizou eleições multipartidárias e se integrou à União Europeia (UE) em 2004. 

No entanto, a ascensão de Viktor Orbán e seu partido, o Fidesz, ao poder em 2010 marcou o início de um retrocesso democrático. Orbán consolidou seu domínio ao modificar a Constituição, enfraquecer a independência do Judiciário e aumentar o controle sobre a mídia.

O próprio Orbán cunhou o termo "democracia iliberal" para descrever seu governo, indicando uma ruptura com os valores democráticos tradicionais da UE. Seu governo priorizou políticas nacionalistas, restringiu direitos civis e implementou medidas que marginalizaram minorias, como refugiados e a comunidade LGBTQ+.

Turquia: De Kemal Atatürk a Erdoğan

A Turquia tem uma trajetória política complexa, marcada por golpes militares e transições entre governos autoritários e democráticos. Desde a fundação da República em 1923 por Mustafa Kemal Atatürk, o país seguiu um modelo secular, mas sempre com forte presença militar na política.

A ascensão de Recep Tayyip Erdoğan começou nos anos 2000, com um discurso pró-democracia e favorável à entrada da Turquia na União Europeia. No entanto, sua trajetória mudou significativamente após um golpe fracassado em 2016, levando a um expurgo em massa no governo, nas forças armadas e na sociedade civil. 

O regime de Erdoğan tornou-se cada vez mais autoritário, com a repressão a opositores, restrições à liberdade de imprensa e um sistema presidencialista que ampliou seu poder.

2. Os Mecanismos do Autoritarismo

Embora Orbán e Erdoğan tenham consolidado seus regimes de maneiras distintas, ambos utilizaram estratégias semelhantes para enfraquecer as instituições democráticas e manter o controle político.

Controle do Judiciário

Na Hungria, Orbán reformou o sistema judiciário para garantir que aliados do Fidesz controlassem os tribunais. Novas leis permitiram que o governo nomeasse juízes leais, minando a independência do Judiciário. 

Além disso, a criação de tribunais administrativos especiais, diretamente subordinados ao governo, garantiu que casos sensíveis, como processos eleitorais e corrupção, fossem julgados de maneira favorável ao regime.

Na Turquia, Erdoğan seguiu um caminho semelhante, especialmente após o golpe fracassado de 2016. Milhares de juízes foram afastados sob a acusação de ligação com o movimento de Fethullah Gülen, um clérigo exilado nos Estados Unidos que foi responsabilizado pelo levante. 

A repressão permitiu que Erdoğan nomeasse juízes leais ao seu partido, o AKP, assegurando que o Judiciário se tornasse um instrumento do governo.

Controle da Mídia e Censura

A Hungria experimentou uma erosão significativa da liberdade de imprensa. O governo de Orbán controlou grandes conglomerados de mídia, silenciando veículos críticos e convertendo jornais e canais de TV em porta-vozes do governo. Além disso, a criação de um órgão regulador da mídia, dominado por aliados do Fidesz, garantiu que a narrativa governamental prevalecesse.

Na Turquia, a repressão à imprensa é ainda mais agressiva. Desde 2016, centenas de jornalistas foram presos, e veículos de mídia independentes foram fechados ou comprados por aliados do governo. As redes sociais também estão sob forte monitoramento, e críticos do governo enfrentam perseguições e até acusações criminais por "insultar o presidente".

Ataques à Oposição e Supressão Eleitoral

Tanto na Hungria quanto na Turquia, a oposição política enfrenta sérios desafios. Na Hungria, mudanças nas leis eleitorais favoreceram o Fidesz, dificultando a formação de coalizões opositoras e restringindo o financiamento de partidos adversários. As eleições, embora ainda ocorram, são amplamente consideradas desiguais.

Na Turquia, a repressão à oposição se intensificou após 2016. Políticos opositores foram presos, e partidos como o HDP (pró-curdo) sofreram duras repressões. Além disso, eleições locais que resultaram em vitórias opositoras, como em Istambul e Ancara, enfrentaram tentativas de anulação e manipulação por parte do governo.

3. Ideologia e Nacionalismo

Embora ambos os regimes sejam autoritários, há diferenças ideológicas notáveis. Orbán promove um nacionalismo cristão e anti-imigração, posicionando-se contra a União Europeia e defendendo políticas conservadoras nos costumes. Seu discurso enfatiza a "soberania húngara" e a luta contra o "globalismo", representado por figuras como George Soros.

Erdoğan, por sua vez, combina nacionalismo turco com um crescente islamismo político. Ao longo dos anos, ele enfraqueceu as instituições seculares da Turquia e promoveu uma identidade nacional baseada no Islã sunita. Seu governo também adotou uma postura expansionista na política externa, envolvendo-se em conflitos na Síria e na Líbia.

4. Relação com a União Europeia e a Comunidade Internacional

A Hungria enfrenta crescente isolamento dentro da União Europeia devido ao autoritarismo de Orbán. O bloco impôs sanções e bloqueou fundos destinados ao país, exigindo reformas democráticas. No entanto, Orbán mantém influência na UE ao apoiar aliados populistas em outros países e ao bloquear decisões importantes, como sanções contra a Rússia.

Já a Turquia tem uma posição estratégica mais complexa. Embora Erdoğan tenha enfraquecido a democracia, a Turquia continua sendo um membro crucial da OTAN e um ator geopolítico importante. O país controla a rota de migrantes para a Europa e desempenha um papel central em conflitos no Oriente Médio, o que limita as respostas mais duras da comunidade internacional.

Conclusão

O autoritarismo na Hungria e na Turquia reflete uma tendência global de retrocesso democrático, onde líderes eleitos utilizam mecanismos legais para enfraquecer instituições e concentrar poder. Embora os contextos históricos e ideológicos sejam diferentes, ambos os regimes compartilham estratégias de repressão à oposição, controle da mídia e erosão das liberdades civis.

A resposta da comunidade internacional tem sido limitada, especialmente no caso da Turquia, devido à sua importância estratégica. Na Hungria, a União Europeia tenta conter o avanço autoritário, mas enfrenta dificuldades devido ao apoio interno que Orbán ainda mantém. O futuro da democracia nesses países dependerá da resistência da sociedade civil e da capacidade das instituições internacionais de pressionar por mudanças.

_________________

Editor do blog

Postar um comentário

google.com, pub-1294173921527141, DIRECT, f08c47fec0942fa0