Quando pensamos nas grandes navegações, nomes como Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral logo vêm à cabeça. Mas por trás dessas figuras históricas existia uma verdadeira corrida entre reinos europeus por novas terras, riquezas e rotas comerciais.
E foi exatamente nesse contexto de disputas e ambições que surgiu um dos tratados mais importantes da história da exploração marítima: o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 entre Portugal e Espanha.
Mas, afinal, por que esses dois reinos rivais resolveram assinar um acordo? O que estava em jogo? Vamos entender esse momento decisivo da história mundial.
O mundo no final do século XV: Um oceano de oportunidades
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No final do século XV, o mundo europeu estava mudando. A Idade Média dava lugar à Idade Moderna, e o mar era visto como a grande chave para o futuro. Com a queda de Constantinopla em 1453 e o controle otomano sobre rotas terrestres para o Oriente, os europeus passaram a buscar novos caminhos para chegar às riquezas da Ásia — especialmente as especiarias, muito valorizadas na Europa.
Foi nesse contexto que Portugal e Espanha, dois reinos ibéricos rivais, começaram a investir pesado em expedições marítimas. Portugal, com sua experiência na navegação e apoio de figuras como o Infante Dom Henrique, já explorava a costa africana. A Espanha, por sua vez, apostou na ousada proposta de Colombo: chegar às Índias navegando para o oeste.
A viagem de Colombo e a tensão entre os reinos
Em 1492, Cristóvão Colombo partiu da Espanha e chegou ao que hoje chamamos de América, acreditando ter chegado à Ásia. Embora não tenha sido o primeiro europeu a pisar em terras americanas, sua viagem marcou o início da expansão espanhola no “Novo Mundo”.
O problema? Portugal também tinha ambições sobre essas terras recém-descobertas. O reino português considerava que a viagem de Colombo invadia áreas que lhe pertenciam, segundo tratados anteriores e com base nas suas explorações anteriores no Atlântico.
Para evitar um conflito aberto — afinal, ninguém queria uma guerra entre potências cristãs —, os dois reinos decidiram recorrer ao Papa Alexandre VI, que, em 1493, emitiu uma bula (documento papal) chamada Inter Coetera.
A Bula Inter Coetera: O mundo dividido ao meio
Essa bula papal estabelecia uma linha imaginária a 100 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Tudo que estivesse a leste da linha seria de Portugal; a oeste, da Espanha. Em outras palavras, o Papa dividia o mundo conhecido (e o desconhecido também) entre as duas potências ibéricas.
Só que Portugal não ficou satisfeito. A linha ficava muito próxima da Europa e da costa africana, onde Portugal já possuía interesses e rotas estabelecidas. O reino português exigia uma renegociação.
O Tratado de Tordesilhas: uma nova linha no mapa
Foi assim que, no dia 7 de junho de 1494, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, na pequena cidade de Tordesilhas, no Reino de Castela (hoje Espanha). O novo acordo empurrava a linha demarcatória para 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde.
Essa mudança, aparentemente técnica, teve grandes implicações. Com a nova linha, Portugal garantia a posse de terras que viriam a ser parte do atual Brasil — que seria oficialmente “descoberto” por Cabral em 1500.
Ou seja: Portugal já tinha interesse naquela região e, provavelmente, já sabia da existência de terras do outro lado do Atlântico.
Por que o tratado foi importante?
O Tratado de Tordesilhas é importante por vários motivos:
1. Evitou uma guerra entre potências ibéricas
A tensão entre Portugal e Espanha poderia ter resultado em um conflito armado. O tratado foi uma forma diplomática de resolver a disputa por terras recém-descobertas.
2. Foi o primeiro acordo internacional de partilha de terras ainda não conquistadas
Antes mesmo de conhecerem o continente americano em sua totalidade, os reinos já dividiam o mundo. É um exemplo claro de como as potências europeias agiam com ambição e arrogância sobre territórios indígenas e desconhecidos.
3. Definiu os limites das colônias na América do Sul
A divisão estabelecida pelo tratado acabou influenciando a formação dos países sul-americanos. O português falado no Brasil e o espanhol nas demais colônias tem relação direta com essa linha imaginária.
Uma divisão que nem todos aceitaram
É importante lembrar que o Tratado de Tordesilhas não foi aceito por outros reinos europeus, como Inglaterra, França e Holanda. Esses países consideravam injusto que apenas duas potências decidissem o destino de todo o mundo “descobrível”.
Mais tarde, essas potências também iniciaram suas próprias explorações e colonizações, muitas vezes invadindo áreas que, segundo o tratado, pertenceriam a Portugal ou Espanha.
E os povos que já habitavam essas terras?
Um ponto essencial que muitas vezes passa despercebido é: nenhum dos reinos europeus levou em conta os povos que já habitavam as terras que estavam sendo divididas. Milhares de nações indígenas viviam nas Américas há milênios, com culturas, línguas e modos de vida próprios.
O Tratado de Tordesilhas é, portanto, um marco da colonização e do eurocentrismo, onde a visão europeia de mundo ignorava totalmente os direitos e a existência dos povos nativos.
O tratado teve efeito prático?
Sim, em parte. Durante algum tempo, Portugal e Espanha respeitaram os limites estabelecidos. Mas, na prática, a linha era difícil de demarcar com precisão, já que os meios de navegação da época ainda eram limitados. Além disso, com o tempo, Portugal começou a ocupar áreas além da linha, especialmente no interior do Brasil, com os bandeirantes e as missões jesuíticas.
Já no século XVIII, o Tratado de Madri (1750) substituiu o de Tordesilhas, reconhecendo a posse de terras conforme a ocupação real, e não mais por linhas imaginárias.
Conclusão: uma linha que moldou a história
O Tratado de Tordesilhas foi mais do que um simples acordo diplomático. Ele representa um dos momentos mais simbólicos da era das grandes navegações e da expansão europeia.
Portugal e Espanha assinaram o tratado porque ambos queriam evitar um conflito direto e garantir suas fatias do “bolo” recém-descoberto. Ao fazer isso, traçaram uma linha que influenciaria a formação política, linguística e cultural de toda a América do Sul.
No entanto, é importante olhar para esse tratado também com um olhar crítico: ele foi um exemplo claro de como a colonização europeia impôs limites, domínios e culturas sobre povos que já habitavam essas terras há muito tempo.
Hoje, ao estudarmos o Tratado de Tordesilhas, entendemos não só as ambições de dois reinos, mas também as raízes de desigualdades e conflitos que se estendem até os dias atuais.
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Editor do blog
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