O que aconteceu com os escravizados após o fim da escravidão no Brasil?

A abolição da escravidão no Brasil, sancionada pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888, foi um marco na história do país. No entanto, a assinatura dessa lei não significou uma mudança imediata e positiva na vida dos ex-escravizados. 

Pelo contrário, o fim da escravidão trouxe novos desafios, marcados pela falta de assistência do Estado, preconceito, marginalização e a busca por meios de sobrevivência em uma sociedade que pouco fez para integrá-los. 

Neste artigo, exploramos as consequências da abolição para os ex-escravizados e como sua luta por dignidade moldou o Brasil contemporâneo.




1. O fim da escravidão e a ausência de políticas de integração

Ao longo do século XIX, a pressão internacional pelo fim do tráfico negreiro e da escravidão cresceu. A Inglaterra, principal potência econômica da época, pressionava o Brasil para abolir a escravidão, o que levou à promulgação de leis como a Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibiu o tráfico negreiro, e a Lei do Ventre Livre (1871), que libertava filhos de escravizadas nascidos a partir de sua assinatura. Essas leis prepararam o caminho para a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. 

No entanto, o fim da escravidão foi decretado sem qualquer tipo de planejamento para garantir a integração dos ex-escravizados na sociedade. Diferentemente de outros países que criaram programas de distribuição de terras ou de indenização para ex-escravizados, o Brasil optou por libertá-los sem oferecer condições para sua inserção social e econômica. 

A elite agrária, que dominava a política, preocupou-se apenas em substituir a mão de obra escravizada por imigrantes europeus, deixando os negros livres à própria sorte.


2. A luta pela sobrevivência: sem trabalho, sem terra e sem moradia

Após a abolição, muitos ex-escravizados permaneceram nas fazendas onde antes trabalhavam, mas agora em condições ainda mais precárias. Sem acesso à terra e sem qualquer compensação financeira, passaram a ser explorados como trabalhadores assalariados, mas com salários irrisórios. Muitos fazendeiros criaram mecanismos para prender essas pessoas em um ciclo de endividamento, o que dificultava sua ascensão social.

Outros libertos migraram para as cidades, em busca de melhores oportunidades. No entanto, a sociedade urbana do final do século XIX não estava preparada para recebê-los. Eles encontraram dificuldades para conseguir moradia e emprego, sendo constantemente marginalizados. As oportunidades de trabalho estavam concentradas nas mãos de imigrantes europeus, que eram incentivados pelo governo a ocupar postos nas indústrias e no comércio, setores nos quais os negros eram frequentemente excluídos.

Sem opções, muitos negros passaram a viver em cortiços insalubres ou nas primeiras favelas que surgiram no Rio de Janeiro e em outras capitais. O Morro da Providência, no Rio, é um exemplo disso: ele se tornou um refúgio para ex-escravizados e soldados negros que lutaram na Guerra de Canudos (1896-1897) e não receberam qualquer apoio do Estado ao retornarem.


3. O preconceito e a exclusão social

A escravidão durou mais de 300 anos no Brasil, e sua abolição não significou o fim do racismo. Pelo contrário, o preconceito racial se manteve e foi reforçado por políticas de Estado que marginalizavam a população negra.

O governo republicano, instaurado em 1889, adotou uma política de "branqueamento" da população, incentivando a imigração europeia e associando o desenvolvimento do país à presença de brancos. A elite política e intelectual da época defendia que os negros deveriam "desaparecer" por meio da miscigenação ou da exclusão social. Esse racismo institucionalizado dificultou ainda mais o acesso dos ex-escravizados a empregos, educação e moradia digna.

Além disso, leis foram criadas para criminalizar práticas culturais da população negra. O Código Penal de 1890, por exemplo, condenava práticas religiosas de matriz africana, como o candomblé, e punia com prisão os capoeiristas. Essas medidas reforçavam a ideia de que os negros eram uma ameaça à ordem social e precisavam ser vigiados e controlados.


4. A resistência e a formação das comunidades negras

Diante desse cenário de exclusão, a população negra encontrou maneiras de resistir e construir sua identidade. As irmandades religiosas, criadas ainda no período escravocrata, continuaram a ser espaços de organização e ajuda mútua. Muitas delas ajudaram a comunidade negra a obter assistência social e a preservar tradições culturais.

As primeiras associações e clubes negros surgiram no final do século XIX e início do século XX, principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Eles promoviam atividades culturais, esportivas e sociais, além de servirem como espaço de debate sobre os direitos dos negros.

Outro aspecto importante da resistência foi a formação de quilombos pós-abolição. Embora o mais famoso seja Palmares (século XVII), diversas comunidades quilombolas continuaram a existir mesmo após a escravidão. Muitas delas foram formadas por ex-escravizados que fugiram das fazendas e ocuparam terras onde podiam viver de maneira autônoma. Até hoje, muitas dessas comunidades lutam pelo reconhecimento e pela posse de suas terras.


5. A busca por direitos no século XX

A luta da população negra por direitos continuou ao longo do século XX, com destaque para o Movimento Negro Unificado, fundado em 1978. Durante a ditadura militar (1964-1985), o movimento negro enfrentou censura e perseguição, mas conseguiu se fortalecer nas décadas seguintes.

Com a Constituição de 1988, o Brasil reconheceu a existência do racismo e a necessidade de combatê-lo. Nos anos 2000, políticas afirmativas foram criadas, como as cotas raciais em universidades e concursos públicos, visando corrigir desigualdades históricas. O reconhecimento dos quilombos e a titulação de suas terras também avançaram, embora ainda haja desafios na implementação dessas políticas.


Conclusão: um legado de luta e resistência

O fim da escravidão no Brasil não trouxe liberdade real para os negros. Sem acesso à terra, ao trabalho digno e à educação, os ex-escravizados e seus descendentes enfrentaram um longo processo de marginalização, que deixou marcas profundas na sociedade brasileira. A exclusão da população negra dos direitos básicos ajudou a estruturar desigualdades que persistem até os dias de hoje.

No entanto, a resistência da população negra também é um capítulo fundamental dessa história. Desde os quilombos até os movimentos sociais contemporâneos, os descendentes dos ex-escravizados seguem lutando por justiça, igualdade e reconhecimento. A história do pós-abolição nos lembra que a liberdade não foi um presente concedido, mas sim uma conquista que ainda está em construção.

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